A consultora BMI Research considerou hoje que o Banco Nacional de Angola deverá desvalorizar a moeda nacional de forma faseada no final deste ano e alargar o acesso à taxa de câmbio oficial.
“E m Angola, acreditamos que o banco central vai fazer uma série de pequenas desvalorizações do kwanza mais no final deste ano, mas a recuperação dos preços do petróleo vai fazer com que os ajustamentos sejam relativamente limitados no seu âmbito”, lê-se numa nota de análise à política monetária do maior produtor de petróleo da África subsaariana.
No documento, os analistas desta consultora do grupo da agência de ‘rating’ Fitch escrevem que “com os preços do petróleo a favorecerem a entrada de dólares no país, o banco central deve alargar o acesso à taxa de câmbio oficial, reduzindo a divergência entre as taxas oficiais e as praticadas no mercado negro”.
Os analistas dizem que o banco central preferiu restringir o acesso a dólares, quando podia ter usado parte dos quase 21 mil milhões de dólares em reservas: “Em vez de comer o stock de reservas estrangeiras, que era de 20,9 mil milhões de dólares em Fevereiro, para manter a oferta de moeda estrangeira ao preço da taxa de câmbio oficial, o BNA limitou o acesso sobre quem podia comprar dólares a esse preço, ’empurrando’ a procura para o mercado paralelo”.
A recuperação dos preços do petróleo, concluem, “deverá fazer o banco central relaxar os controlos sobre que indústrias podem aceder aos dólares ao preço oficial, o que abrandará a pressão sobre a taxa paralela”.
Angola enfrenta desde finais de 2014 uma crise financeira e económica, com a forte quebra das receitas com a exportação de petróleo devido à redução da cotação internacional do barril de crude, tendo em curso várias medidas de austeridade.
Esta conjuntura levou a uma forte quebra na entrada de divisas no país e a limitações no acesso a moeda estrangeira aos balcões dos bancos, dificultando as importações.
Além disso, devido à suspensão de acordos com bancos estrangeiros para correspondentes bancários para compra de dólares desde 2016, a banca angolana apenas consegue comprar divisas ao BNA, no caso euros, como explicou na semana passada o governador do BNA.
“Não poderíamos ter o azar de os bancos correspondentes deixarem de fazer operações em euros. E havia este risco. Já perdemos as operações em dólares. Se perdêssemos as operações em euros era uma catástrofe para Angola, porque Angola deixaria de importar medicamentos, alimentação e todos os outros produtos necessários”, explicou Valter Filipe.
Na mesma entrevista, à rádio e televisão públicas angolanas, o governador do BNA admitiu que a redução do preço do barril do petróleo em 60%, durante os anos de 2014 e 2015, levou a uma crise económica e financeira com impactos também a nível cambial, com o país a “perder” as suas reservas internacionais.
“Em menos de seis meses, Angola entraria em situação de crise cambial. Em outros termos, Angola deixaria de ter dinheiro suficiente para importar as mercadorias necessárias para o consumo interno”, disse ainda Valter Filipe, justificando desta forma as restrições impostas à venda de divisas nos bancos comerciais desde 2015.
A taxa de câmbio média de referência de venda do mercado cambial primário, apurada pelo banco central no final da última semana manteve-se inalterada nos 166,737 kwanzas por cada dólar e nos 186,291 kwanzas por cada euro.
No mercado de rua, a única alternativa, embora ilegal, face à falta de divisas aos balcões dos bancos, cada dólar norte-americano custa à volta de 370 kwanzas.
Dólares, dólares, dólares
Alves da Rocha, director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), defendeu em Dezembro de 2015 que mais do que a introdução do euro ou do yuan chinês em Angola, como alternativa aos escassos dólares, é necessário priorizar, em definitivo, o acesso a divisas.
Para Alves da Rocha, economista do CEIC, instituição da Universidade Católica de Angola, a moeda estrangeira deve “deixar de circular em paralelo” com o kwanza, como acontece actualmente, mas agravada com a desvalorização da moeda nacional face ao dólar norte-americano, devido à crise cambial em Angola.
A escassez de dólares nos bancos angolanos – que compromete importações e viagens ao estrangeiro de cidadãos angolanos – é explicada, além da crise do petróleo, também pelo corte no fornecimento de bancos norte-americanos, alegadamente por dúvidas sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo a partir dos movimentos de divisas por Angola.
Como alternativa, e numa altura em que um dólar norte-americano chega a custar 370 kwanzas nas ruas de Luanda, tem sido colocada a hipótese de recurso à moeda europeia (euro) ou à chinesa (renminbi ou yuan), para garantir divisas.
“A nossa confiança no kwanza será cada vez maior à medida que sentirmos que há possibilidade de cobrirmos as necessidades que temos de moeda externa, quer os agentes empresariais quer as famílias no geral. Não vejo que haja necessidade de ter aqui o dólar a circular em paralelo com o kwanza, ou o próprio euro e o yuan”, defendeu na altura Alves da Rocha.
Para Alves da Rocha, o processo de ‘desdolorização’ da economia angolana, que se acentuou no primeiro semestre de 2014, não deve ser travado devido à crise actual, mas é necessário uma “gestão correcta e realista da situação” por parte do BNA, que gere o acesso à moeda estrangeira.
“Creio que não haverá necessidade de nós estarmos aqui a coexistir com o dólar, porque não é isso que se passa nos outros países, em que circula a moeda nacional e quando há necessidade de fazer transferências os bancos garantem-nas. Isso dá confiança a todos os agentes económicos para utilizar a moeda nacional”, defendeu o director do CEIC.
“O importante é que o sistema bancário, e dentro das limitações atuais, nos dê a garantia de que quando necessário, devidamente certificado para evitar fuga de capitais ou lavagem de dinheiro, temos acesso a essas divisas. Aí, não teremos necessidade nem do euro, do yuan ou do dólar”, rematou o economista.
China abre banco em Angola
O Governo angolano autorizou o Banco da China a abrir uma sucursal em Angola, para desenvolver actividades financeiras bancárias. A instituição detida pelo Estado chinês vai operar no país com a designação Banco da China – sucursal em Angola.
A decisão sobre a abertura da sucursal angolana do Banco da China surge numa altura de fortes constrangimentos no país devido à crise da cotação do petróleo, nomeadamente no acesso a divisas, colocando em causa transferências para o estrangeiro ou a importação de matéria-prima.
O governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, reconheceu já este mês que a banca do país está a ser colocada “à margem” do sistema financeiro mundial, numa aparente alusão à falta de acesso dos bancos angolanos ao circuito internacional de divisas, por dúvidas dos reguladores internacionais sobre credibilidade das instituições angolanas.
Para Valter Filipe, é necessário colocar “ética e moral” na banca angolana, devendo esta ser colocada ao “serviço do bem comum”.
“Devemos fazê-lo implementando em Angola as normas prudenciais e as boas práticas nacionais e internacionais, e todas as normas de combate ao branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo, porque estamos a ficar numa situação em que está a ser colocado o sistema financeiro angolano à margem do sistema financeiro mundial. E isto é grave para a prosperidade das nossas famílias”, apontou na altura.
Criada em 1912, o Banco da China funcionou até 1949 como banco central chinês. Após várias transformações, ainda nas mãos do Estado mas já como banco comercial, tem vindo a concentrar atenções no apoio às empresas e comunidades chinesas fora do país, com destaque para as economias emergentes.
Estima-se que a comunidade chinesa em Angola ascenda a cerca de 230 mil pessoas e centenas de empresas. O Governo chinês aprovou em 2015 uma nova de linha de crédito ao Estado angolano, no valor de 5,2 mil milhões de euros (4,5 mil milhões de euros) para obras a executar por empresas chinesas.
A Lusa noticiou a 12 de Outubro que os bancos centrais de Angola e da China estão a acertar os pormenores de um acordo que para permitir o uso das moedas nacionais de ambos os países, nas trocas comerciais bilaterais.
O acordo, cujo anúncio da sua negociação foi feito em agosto passado, pela então ministra do Comércio de Angola, Rosa Pacavira, vai permitir que os agentes económicos de ambos os países possam usar a moeda chinesa em Angola e a angolana na China, facilitando as trocas comerciais.
O objectivo passa por garantir que as transacções entre a China e Angola se faça sem recurso a uma terceira moeda.
Em Agosto, a ministra Rosa Pacavira anunciou que o kwanza angolano ia valer na China e o yuan em Angola.
Folha 8 com Lusa